segunda-feira, 31 de março de 2014

Entrevista da Revista F1 Racing 2014 Richard West

31/03/2014 13h45 - Atualizado em 31/03/2014 13h45

Temores, desafios e fome de vitória: confira a última entrevista de Senna

Esperada edição da 'F1 Racing' com entrevista de pouco antes do GP de San Marino chega às bancas e revela detalhes sobre momentos que antecederam morte do ídolo

Por GloboEsporte.com
Londres


Edição de abril da revista 'F1 Racing' apresenta a última entrevista concedida por Senna (Divulgação)

A última entrevista concedida por Ayrton Senna permanecia inédita até este ano, duas décadas após o trágico acidente fatal na curva Tamburello, durante a sétima volta do GP de San Marino de 1994. Na última semana, a revista inglesa “F1 Racing” anunciou tê-la resgatado, a colocando na edição especial de abril. Com a chegada da aguardada publicação às bancas, veio a tona detalhes que ajudam a esclarecer algumas dúvidas sobre os momentos que antecederam a morte do ídolo. O GloboEsporte.com teve acesso à edição da revista e mostra os destaques.

A entrevista que permaneceu inédita por quase duas décadas, foi concedida por Senna e seu companheiro de equipe, Damon Hill, ao então diretor de marketing da Williams, Richard West, momentos antes da fatídica corrida disputada no dia 1º de maio de 1994 em um evento promocional para cerca de 40 convidados da equipe. Na ocasião, o brasileiro relatou suas impressões sobre o circuito italiano, falou sobre os desafios da curva Tamburello e ressaltou sua preocupação com a segurança, ao citar o GP de Mônaco, que seria realizado dali a duas semanas e que ele jamais chegaria a disputar.

Ayrton Senna e o companheiro Damon Hill durante a entrevista concedida a Richard West (Foto: Reprodução / F1 Racing)

Após a morte de Senna, West simplesmente se esqueceu da gravação feita na manhã daquele pavoroso domingo. Em 2001, West recebeu uma fita VHS em sua casa, enviada por uma fonte anônima e com uma singela inscrição na caixa: “Você deveria ver isto - memórias de um grande homem”. À época, ele estava muito ocupado à frente da organização do Campeonato Britânico de Turismo, e acabou não tendo tempo de conferir o conteúdo do material. Alguns anos depois, Richard se deparou novamente com a fita enquanto fazia uma faxina em seu escritório. Ao finalmente assistir ao vídeo, o inglês ficou surpreso e maravilhado.

- Quando eu cheguei ao paddock, Ayrton estava vestindo sua camiseta do Senninha, com o macacão em torno de sua cintura e o seu boné azul. Uma das minhas funções no time era informar os convidados sobre o evento do fim de semana, e eu já estava desempenhando esse papel por 10 minutos, para os cerca de 40 presentes, quando Ayrton e Damon adentraram o paddock. É possível ver no vídeo que Ayrton aperta o ombro de Damon, como se quisesse dizer para ele: “Nós vamos ter que passar por isso, mas não deve demorar muito”. É uma entrevista curta, mas incrivelmente perspicaz, e estava perdida até agora... - testemunhou West.

Senna momentos antes da largada do GP de San Marino: fome de vitória e preocupação com segurança (Foto: Getty Images)

Em 2014, o legado do piloto brasileiro será intensamente debatido e rememorado, com inúmeras homenagens programadas mundo afora. E a entrevista publicada pela “F1 Racing” resgata a imagem de um esportista que ainda não estava satisfeito, e desejava ansiosamente conquistar mais vitórias, bater outros recordes e se tornar, enfim, tetracampeão. Senna havia anunciado o contrato com a Williams um mês depois do eterno rival, Alain Prost, ter ganhado o seu quarto título e se despedir da F-1. As falas registradas na entrevista de West mostram um homem focado em superar os adversários e disposto a encarar de frente as dificuldades impostas dentro e fora das pistas. 

Senna exalta Ímola na última entrevista 

Faltavam pouco mais de duas horas para a largada do GP de San Marino de 1994 quando Ayrton Senna foi “convocado” por Richard West, então diretor de marketing da Williams, para gravar uma entrevista ao lado de seu companheiro na equipe inglesa, Damon Hill. O piloto brasileiro estava em busca de seus primeiros pontos com o time de Grove, após abandonar as duas corridas anteriores daquela temporada. Apesar de todos os problemas com o FW16 projetado por Adrian Newey, Senna havia conseguido classificar o novo carro na ponta do grid do célebre circuito de Ímola.

- Ímola é um circuito muito rápido e que exige bastante dos pilotos, porque nós alcançamos velocidades muito altas aqui, e precisamos de muita concentração para manter, na maior parte do tempo, o controle sobre o carro. No entanto, nós podemos chegar aos 325 ou 330 quilômetros por hora aqui. Temos um grande número de pontos de frenagem e é um circuito onde você alcança altas velocidades na maioria desses lugares, então você precisa parar muito o carro, o que requer uma grande força de travagem - explicou Senna a West.

Com um mapa da pista nas mãos, Senna apontou as passagens mais desafiadoras do Autódromo Enzo e Dino Ferrari. O palco do GP de San Marino era conhecido por uma curva especialmente perigosa, batizada de Tamburello. A área de escape deste ponto, localizado ao lado de um riacho, era praticamente inexistente. Então recordista de vitórias no circuito italiano, com três triunfos (1988, 1989 e 1991) e empatado com Prost, Senna destacou o trecho, onde pilotos como Nelson Piquet e Gerhard Berger haviam se envolvido em acidentes alguns anos antes.

- Este é também um circuito onde a “força G” [a pressão da gravidade que atua nas curvas de alta velocidade] no seu corpo e pescoço é muito intensa, e nós fazemos essa curva [Tamburello] a 290 km/h. É uma longa curva, e seu pescoço vai, vai, vai. A mesma coisa acontece aqui [Piratella], a mesma coisa, mas com um pouco menos de “força G”. Sendo um circuito muito rápido, a velocidade média é elevada e, por conseguinte, a distância de corrida, em termos de tempo, é bem menor do que a maioria dos autódromos. Assim, a corrida total não dura tanto quanto a maior parte das outras etapas.

Ayrton Senna tinha um claro objetivo ao assinar com a Williams: conquistar o tetracampeonato mundial (Foto: Getty Images)


Antes do início da temporada 1994, a aliança entre Williams, campeã nos dois anos anteriores, e Ayrton Senna, dono de três títulos mundiais com a McLaren, era tida como o surgimento de uma nova força imbatível na Fórmula 1. Entretanto, a FIA baniu a maioria das inovações tecnológicas que resultaram no domínio dos antecessores do FW16. O carro da escuderia inglesa começou o campeonato sendo ofuscado pela Benetton do então jovem piloto Michael Schumacher, vencedor das duas primeiras corridas do ano. Diante de um novo e proeminente adversário, Senna perseguia, a todo custo, sua primeira vitória com o macacão azul e branco do time de Grove.

- Ímola é um circuito que eu gosto de pilotar - e eu obtive êxito aqui no passado. Eu venci algumas corridas aqui e a torcida é muito especial na Itália, por causa da atmosfera com a Ferrari, e isso é especial para toda a Fórmula 1. Eu espero que a corrida de hoje seja empolgante para o público e boa para a nossa equipe, para mim, Damon e para o time Williams, porque até agora as coisas têm escapado de nossas mãos. Então, eu realmente acredito que o time precisa de um bom resultado para basicamente continuar no campeonato deste ano, tanto para mim quanto para Damon - avaliou o brasileiro.

O GP do Brasil abriu a temporada daquele ano, e a expectativa por uma vitória de Senna, pole position em Interlagos, logo deu lugar à frustração. O promissor Schumacher passou à frente após um pit stop, e o piloto da Williams não conseguiu mais recuperar a primeira posição. Resultado: abandonou a prova depois de rodar na Junção. No GP do Pacífico, mais um acidente, novo abandono e mais uma vitória do alemão. Diante do retrospecto pouco inspirador, Richard West questionou Ayrton sobre a importância da comunicação por rádio durante os pit stops para reabastecimento e troca de pneus. O brasileiro também falou sobre a preocupação com as condições de segurança para o GP de Mônaco, que seria disputado duas semanas depois.

- Nós não tivemos muitas chances de colocar isto em prática. Então, [antes do pit stop] lá estava o pânico usual de “estou chegando, estou chegando, estou chegando”, e eles simplesmente dizendo “ok”. Não tivemos nenhum problema em particular. Eles dizem que posso entrar, e é isso. Mas nós planejamos tudo de antemão, e assim sabemos quando é o tempo de entrar, com a equipe já pronta, nos esperando lá nos boxes. Tem sido bom até agora, mas o circuito em que será mais difícil, por razões de segurança, é Monte Carlo. O pitlane é muito apertado e com muitas pessoas nele. Vai ser muito, muito perigoso. Já falamos disso hoje e estamos pensando em pedir aos responsáveis da FIA para introduzirem um limite de velocidade no pitlane - afirmou o tricampeão.

O piloto brasileiro enfrentava problemas com o novo carro da Williams e ainda não havia marcado pontos (Getty Images)

Após a entrevista, Senna autografou um exemplar do mapa do circuito de Ímola. Uma coincidência macabra aconteceu neste momento: o brasileiro colocou sua assinatura justamente ao lado da curva Tamburello, a mesma onde perderia sua vida dali a algumas horas. Richard e Ayrton voltariam a se cruzar rapidamente pelo paddock antes da largada. O ex-funcionário da Williams recorda que o brasileiro estava especialmente concentrado aquele dia. Mesmo assim, Senna exibia o habitual bom humor, e chegou até mesmo a fazer uma brincadeira com a aparência do diretor de marketing da equipe:

- Quantos anos você tem? - provocou Senna.

- 37 - respondeu West.

- Você parece muito velho! - disparou o brasileiro.

- É porque eu tenho que rodar o mundo para encontrar dinheiro para pagar seu salário - brincou o diretor de marketing.



FONTE PESQUISADA

Temores, desafios e fome de vitória: confira a última entrevista de Senna. Disponível em: <http://globoesporte.globo.com/motor/formula-1/noticia/2014/03/temores-desafios-e-fome-de-vitoria-confira-ultima-entrevista-de-senna.html>. Acesso em: 31 de março 2014.

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